Mesmo assim
Clarissa prometia que essa noite seria diferente, iria viver o outro
lado. Enquanto suas amigas dançavam e pareciam extremamente felizes,
(como alguém podia parecer tão livre?) segurava a segunda garrafa de
cerveja e fingia não se importar, como todos os outros, que observavam
cada detalhe, como Larissa, que dançava com os olhos fechados, cantando
com todas suas forças uma música qualquer. Larissa não sabia, mas com
seu momento particular, acabara de cometer um crime: estava vivendo.
Qual era o problema com isso? Ela não sabia, sempre foi uma garota que
gostava de descobrir o mundo, desvendar pessoas, achava lindo ver
pessoas sendo genuinamente contentes, independente do trabalho, das
despesas, da faculdade, pessoas que se deixavam viver sempre pareciam
tão encantadoras para ela.
Então um garoto sentou ao seu lado. Igor estudava direito, ao mesmo
tempo em que fazia cadeiras de filosofia, sua verdadeira paixão,
verdadeira decepção de seus pais. Ele sentia que ela estava presa. Ela
respondeu que estava. Por todos. Por essa mania que as pessoas têm de
achar que sabem o jeito como todos devem agir. Era tão mais simples
deixar que cada um escolhesse um jeito. Ele sorriu. Lembrou do ano
passado, quando sentou no mesmo banco, nessa mesma festa e agradeceu por
ser sua última noite naquela cidade, pequena demais para seus sonhos,
pequena demais para dar espaço para as pessoas se permitirem. “Às vezes,
tenho vontade de apontar o dedo do meio para o céu e sair caminhando
pelas ruas“ ”Bem, você não devia se preocupar. Vou te contar um segredo
que as pessoas levam a vida para descobrir, a felicidade incomoda. Se
permitir ser feliz, no meio de tanta gente, é praticamente uma
injustiça. Aqueles que conseguem são um grupo restrito, os que não
conseguem, sentam em suas cadeiras e preferem observar. Como você mesma
disse, observar é um saco!” . Ele apontou para Larissa. “Tá vendo aquela
garota com os olhos fechados? Você acha que ela depende do que o resto
das pessoas pensam? Ela sequer está vendo se a amiga do lado está
ficando com alguém, ou se a garota de vermelho bebeu demais. Ela não se
importa. Porque tem seus amigos, sua vida e seus momentos para
escrever.”
Clarissa chorou. Gargalhou depois. Agradeceu a Igor e pagou uma bebida,
buscaram-na de olhos fechados. Deram as mãos e pularam, ao som de
músicas idiotas sorriram, se beijaram. Não disseram como se chamavam,
ela achava que ele deveria se chamar Chuck, ela tinha cara de Gabriela.
Continuaram dançando, passos imcompatíveis com a batida, que parecia
muito mais acelerada do que realmente era, ele a levou no colo para o
banheiro, cantaram Cindy Lauper no karaokê, a noite parecia não ter fim.
Quando acabou, ela anotou seu número no pescoço dele. Ele levantou o
dedo dela para o céu e, cantarolando uma música, a levou em casa. Seriam
assunto nas manchetes amanhã? Provavelmente. Pouco importava.
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